O que é o ser humano?
Quando temos que definir palavras (palavras-conceitos) às vezes as
coisas não são tão simples quanto imaginamos. Por exemplo: O que é uma
caneta?
s. f., pequeno tubo a que se adapta um aparo e que serve para escrever ou desenhar;
Essa é a
definição do dicionário, mas se a caneta não é pequena? Se eu uso a
caneta para matar alguém, e não para escrever ou desenhar? Daí você muda
a definição e diz “instrumento que tem tinta ou líquido parecido” então
uma “injeção” é caneta? Não! Uma caneta sem tinta, é uma caneta? Esses
são problemas linguísticos e filosóficos. Mas voltando a primeira pergunta – o que é um ser humano? -, eu vou escrever aqui sobre o ponto de vista existencialista. O problema da caneta é um problema de semântica, diferente do que eu vou falar agora, que é estritamente filosófico.
A
filosofia conhecida como existencialismo tem suas raízes no século 19,
mas a maioria dos seus textos apareceram no século 20. Existencialistas
preferem responder à essa pergunta com outra pergunta, “o que significa
existir como um ser humano?” Eles procuram a condição única do ser
humano, contrastando com a existência que caracteriza objetos não
humanos. A visão existencialista típica é refletida no slogan “existência precede essência”. Entender
essa frase é a chave para entender existencialismo, especialmente no
trabalho do Sartre. Nós precisamos então, primeiro entender o que ele
quer dizer com essa frase (lembrando que isso é um blog, eu recomendo,
para quem não o leu, ler seus livros que são muito bons).
É uma visão antiga da filosofia que a essência de algo é o conjunto de propriedades que fazem a coisa ser o que ela é.
Objetos não podem perder essas propriedades sem se tornarem objetos
diferentes ou tipos diferentes de objetos. A essência de uma árvore de
cereja, por exemplo, consiste na sua estrutura firme, estrutura da raiz,
construção genética e as flores que ela da uma certa época do ano. Se
uma árvore de cerejas é cortada e/ou queimada, ela não é mais uma árvore
de cerejas. Ela perdeu a sua essência como uma árvore de cerejas. É
claro que nem todas as propriedades exibidas numa árvore de cerejas são
essenciais. Sua cor, por exemplo, poderia ser diferente, mas ainda seria
a mesma árvore. Sua essência não muda simplesmente por que ela está com
outro tom ou uma mudança mínima na sua forma. Porém, a parte importante
é que se nós conseguíssemos especificar todas as propriedades
essenciais de uma árvore de cerejas (toda sua essência) nós
entenderíamos sua existência através da sua essência.
Muitos
filósofos dizem que nossa essência pode ser explicada de uma forma
análoga da árvore de cerejas. Existencialistas discutem, porém, que
nenhuma propriedade essência caracteriza o ser humano, e logo “natureza
humana” não pode ser compreendida. Essa visão é avançada em alguns
trabalhos existencialistas (e.g., Ortega y Gasset) onde é dito que
humanos não tem natureza, mas só história. Em outras palavras, seres humanos fazem suas vidas através da sua capacidade de controlar e moldar sua existência.
Árvores e pedras não tem tal capacidade, e em contraste – como Ortega
paradoxalmente expressa – um humano é “uma entidade o qual o ser
consiste não no que é ‘já’, mas no que não é ainda, um ser que consiste
em ainda-não-ser…O homem é um ente que se constrói.” De acordo com ele , dizer
que existência precede essência para humanos é dizer que qualquer
propriedade que é importante em nos definir é um produto da nossa
própria escolha.
Segundo
Sartre, essa escolha é feita através da capacidade humana para liberdade
absoluta. Porque não existe determinadas propriedades fixadas, Sartre
calcula que os humanos são simplesmente livres; mas “homem é a liberdade”.
Com essa frase Sartre quer dizer que a realidade humana não pode
realmente ser entendida exceto em termos de atos humanos e livre
arbítrio. Seria paradoxal mas mesmo assim correto, dizer que para o
Sartre a única propriedade essencial dos humanos é seu livre arbítrio.
Seres
humanos não são primeiramente entidades “presas” que depois de uma
maneira encontram liberdade. “O ser do homem” Sartre diz que é “ser
livre”. Uma implicação importante nessa doutrina para todos os
existencialistas é que não há nenhuma lei moral objetiva ou standards
que os seres humanos devem observar exceto aqueles que ele próprio
escolhe. Nós criamos nossa própria moral. Qualquer
coisa que nós nos tornamos, então, é um resultado da nossa própria
escolha; nós somos responsáveis por qualquer propriedade que nós
possuímos precisamente por que eles são produtos da nossa natureza ou da
escolha de outra pessoa. Nós somos então deixados sem desculpas pelo
que nós somos. Resumindo, a resposta do Sartre para pergunta “O que é o
ser humano?” é que ser humano é fazer suas características através de liberdade e assumir responsabilidade pelo o que é criado.
Sartre também enfatiza a importância do ateísmo
para a filosofia dos seres humanos. Sua visão nesse sentido o difere da
visão religiosa sobre o que é ser humano. Sartre conecta essa visão
ateísta com o slogan “existência precede essência”. Ele acredita que a
visão religiosa da criação humana implica que Deus imagina a essência do homem (como uma ideia na sua mente) antes da atual existência dos humanos.
Uma razão pela qual Sartre discute contra teísmo é para mostrar que não
pode haver nenhuma essência precedente sobre o ser humano pois não há
um Deus para ter uma concepção antes dele (ser humano). Logo, Sartre
posa um humanismo antiteísta como a única filosofia ética viável.
Como
um amante de filosofia, eu espero ter feito esse texto acessível a
todos, mesmo os que não tem nenhum conhecimento anterior de Sartre,
Camus, de Beauvoir etc. Muitos não gostam de filosofia, ou por que acham
nonsense, ou por que alguns escritores e tradutores
brasileiros/portugueses tendem a utilizar uma linguagem mais complexa do
que é necessária, como eu leio em inglês eu escrevo a “tradução” da
minha cabeça, com a minha língua, que é quase coloquial. Essência
precede existência não precisa de palavras rebuscadas e
arcaicas como eu vejo em alguns sites que tentam esclarecer filosofia;
na maioria das vezes me deixando mais confusa do que no começo. Sejamos,
como diria o Nietzsche, pensadores livres.
Escrito por Bia Moreira
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